Torre do Álamo – Dia Internacional dos Monumentos e Sítios
18/04/2025
A Câmara Municipal informa:
DIA INTERNACIONAL DOS MONUMENTOS E SÍTIOS
2025 “Património resiliente face às catástrofes e conflitos”
O que é e o que representa a Torre do Álamo?
A Torre do Álamo, também conhecida como Torre de Camões, Torre do Almo ou Torre de Almadafe, localiza-se precisamente sobre a linha que delimita as freguesias de Cano e de Casa Branca, no concelho de Sousel. Ambas as freguesias foram integradas no concelho de Sousel aquando da Reforma Administrativa de Passos Manuel, em 1836 . O facto de alguns lhe chamarem a “Torre de Camões” tem a ver com o facto da vasta família Camões[1] ter sido proprietária de extensas e numerosas herdades no Alentejo, tendo erguido diversas torres, conhecidas como camoeiras. Muito provavelmente, também esta torre terá pertencido a algum dos diversos representantes desta família.
Sobre esta torre, escreveu Mário Saa em As Grandes Vias da Lusitânia… : “Segue-se a Vila do Cano (…) e sua precursora, Torre do Almo, por onde a estrada passava, na direcção de S.ta Vitória do Ameixial e de Estremoz. Incrível quantidade de fragmentos de telharia romana, a par de muros velhos, se dispersa na planície da Torre do Almo!”
A Torre do Álamo é dada como de origem medieval, ignorando-se a data de construção, e teria a função de atalaia de defesa, sendo posteriormente utilizada como residência senhorial[2], mas as suas fundações são mais antigas e as suas imediações estão polvilhadas de vestígios do período romano, período em que teria existido nas proximidades uma mansio e eventualmente uma villa no cruzamento de duas vias romanas secundárias[3].
A Torre do Álamo, bem como o aqueduto e tanque anexos, são classificados como Monumentos de Interesse Público pela Portaria nº 350/2016, de 21 de outubro. E desta forma inteligente e nobre o Estado Português lava as mãos do que venha a acontecer ao imóvel. Lembro que nem sequer os acessos ao monumento, longos e complicados, estão garantidos. Muito menos, a integridade do que ainda permanece de pé. Passaram nove anos sobre a publicação da Portaria e nada mais aconteceu, a não ser a inexorável desintegração da torre, que prossegue alegremente.
A resiliência da Torre do Álamo
Ignoramos se a Torre do Álamo ou um edifício precursor já existia ao tempo da ocupação árabe deste território, inicialmente (em 1211) colocado no termo de Avis e depois, em 1836, transitando para o concelho de Sousel. Mas esse período inicial da nossa nacionalidade caracterizou-se por escaramuças pouco amigáveis entre os monges guerreiros da Milícia de Évora, posteriormente designada por Ordem de Avis, e os muçulmanos da zona.
Da mesma forma, não sabemos ao certo se no conturbado período histórico seguinte, o interregno de 1383-1385, em que ocorreram enormes convulsões, a torre já teria sido construída. Vasco Peres de Camões, o primeiro da família Camões, já estava em Portugal há algumas décadas e tomou o partido derrotado de D. Juan de Castela, sofrendo naturalmente as consequências das opções políticas que tomou.
Recordo que antes deste período já Nun’Álvares Pereira era chamado ao Alentejo para combater o Mestre de Santiago, que a partir de Badajoz “d’onde era fronteiro, sahira a talar[4] Veiros, Souzel e Cano, recolhendo-se com ricos despojos áquella praça, sem moléstia nem conflicto.”[5]. Estes despojos incluíram o gado que por estas terras pastava, deixando a penúria ainda mais agravada, fazendo também muitos prisioneiros. Não há uma referência específica a danos inflingidos na torre do Álamo, mas não são de excluir.
Para além da ferocidade do tempo, pelas mossas que deixa, por volta de 1662/63, no âmbito da Guerra da Restauração, voltámos a ter pelejas e assaltos na zona, com destaque para o assalto ao castelo de Sousel (28 de setembro de 1662) por um batalhão de cavalaria oriundo de Arronches e para a Batalha do Cano[6] (8 de junho de 1663), que envolveu milhares de combatentes, animais e uma parafernália logística, que poderão ter deixado marcas na torre.
Para além dos danos presumivelmente causados pelos homens, foi a zona sul de Portugal assolada por sismos de grande magnitude ao longo da história. Recordo apenas os quatro mais importantes do que se imagina ser o período de existência da torre:
- Sismo de Lisboa de 1531, de magnitude estimada em 7,0 – 7,5;
- O grande sismo de Lisboa de 1755, de magnitude estimada em 8,7 – 9;
- Sismo de Setúbal de 1858 , com magnitude estimada em 7,1 e
- Sismo de Portugal de 1969, com magnitude estimada em 7,9.
Não são conhecidas descrições pormenorizadas de fissuras ou derrocadas na torre, mas nas Memórias Paroquiais de Casa Branca[7] são descritos danos de relevo na Igreja Matriz causados pelo terramoto de 1755, pelo que se presume que o mesmo também possa ter afetado a torre.
Nos anos mais recentes, tanto quanto pude observar diretamente, serviu a torre de curral para ovelhas e outros ruminantes e no piso térreo, único minimamente utilizável, não sem riscos de derrocada iminente, ainda há pouco estava instalado um velho e ferrugento sofá a servir de cama para sestas e pernoitas de algum corajoso pastor.
Aproveitando a sua imponência e vetustez, que se impõe à distância na dourada planície alentejana, a torre tem servido de cartão de visita e de cartaz promocional do concelho, de ponto de convergência de caminhadas, de referência de geocaching, de disputas estéreis entre freguesias do concelho e de teorias fantasistas sobre o grande Luís Vaz de Camões, mas nada nem ninguém se tem verdadeiramente preocupado com a preservação do monumento, muito menos com a sua reabilitação e a sua colocação ao serviço do património histórico e cultural do concelho de Sousel e de Portugal. E se isso urge, pois não sei se o imóvel resistirá ao próximo evento catastrófico.
E se a resiliência da torre finalmente ceder será mais um monumento a acrescentar à já extensa lista souselense de imóveis desaparecidos: Castelo de Sousel, Convento de S. António dos paulistas, ermidas de S. Bartolomeu e de S. Pedro, igreja de S. João Batista da Ribeira (em vias de destruição total), as antas do concelho, que são quatro e se encontram todas em estado mais do que precário, e o povoado de S. Bartolomeu, da idade do bronze, que mais não é do que um devassado amontoado de pedras. Tudo pelas vicissitudes do tempo e pela incúria dos homens.
Sousel, 18 de abril de 2025
João Richau
Bibliografia:
Richau, J. (2015, 2019 e 2022) Sousel: Memórias do Concelho – das suas gentes, vilas, aldeias e campos, Volumes 1, 2 e 3. Bubok Publishing, Madrid.
Saa, M. (1956 a 1967) As Grandes Vias da Lusitânia (O Itinerário de Antonino Pio), I 1956, II 1959, III 1960, IV 1963, V 1964, VI 1967. Tipografia da Sociedade Astória, Lisboa.
Saa, M. (1922) Camões no Maranhão. Lumen – Empresa Internacional Editora, Lisboa.
[1] “Vasco Pires de Camões (Basco Peres de Caamaño) (nascido em 1330), proveniente da Galiza em 1370, foi o primeiro a usar o apelido Camões. O apelido parece ter sido adulterado de Camanda para Caamaño, a seguir Camañes, depois para Camoens e, finalmente, para Camões.
[2] http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=28859
Sabemos por um documento do Arquivo Distrital de Portalegre «Testamento Nuncupativo com que faleceu Catarina Vieira, Moradora na Torre de Camões, Freguesia da Casa Branca, Termo desta Vila de Avis (…)», que a Torre do Álamo era ainda habitada em 1735.
[3] Via NE-SW que vem de Idanha-a-Velha (Igaeditana) a Évora (Ebora) e diverticulum ad Via XII – Itinerário de Ponte de Sor a Juromenha, por Estremoz e Vila Viçosa. Recordo que existe escasso trabalho de investigação arqueológica na zona.
[4] Assolar, devastar.
[5] Gusmão, F.A.R. (1867) Memoria dos Alcaides Mores de Portalegre, 2ª ed. Imprensa da Universidade, Coimbra.
[6] Muitos autores, nomeadamente o padre António Vieira e Camilo Castelo Branco, chamaram Batalha do Cano aquela que se viria a designar como Batalha do Ameixial. As tropas estabeleceram-se na zona e eram normais as pilhagens e outros danos.
[7] Estas foram escritas pelos párocos de todas as paróquias do reino a pedido do Marquês de Pombal, a propósito do grande terramoto de 1755, no ano de 1758.